Literatura
– Para 3ª série do Ensino Médio
Livro para Vestibular
A obra foi publicada originalmente em
folhetins na Revista Universal Lisbonense entre 1845 e 1846, sendo editada em
livro apenas em 1846. Tida como obra única no Romantismo português por sua
estrutura e linguagem inovadoras, Viagens na minha terra é um marco para a
moderna prosa portuguesa e um importante documento de referência para entender
a decadência do império português.
Foco narrativo
A
obra é narrada em primeira pessoa e o narrador é o que conhecemos por
“narrador-protagonista”. Ou seja, a história é contada por um dos personagens
principais (no caso, o autor-narrador que viaja pelo país) em primeira pessoa.
Dessa forma, a história tem um ponto de vista fixo, centrado nessa personagem.
Além disso, esse narrador-protagonista está quase inteiramente confinado a seus
pensamentos, sentimentos e percepções.
O
que sabemos a respeito das outras personagens (incluindo seus pensamentos e
sentimentos), ou nos é passado através dela mesma, ou através de outra
personagem que conta algo ao narrador (em Viagens temos Frei Dinis contando o
drama de Carlos e Joaninha). Essas informações podem ser, ainda, inferências
feitas pelo narrador-protagonista.
A viagem como busca do autoconhecimento
O tema das viagens sempre foi parte
integrante da literatura portuguesa, desde o século XIV quando os navegadores
portugueses registravam suas histórias de navegação.
Eles produziam uma literatura que não
ficava restrita aos acontecimentos da viagem, mas que continha também os
motivos que os levavam a se deslocar de um local a outro e as descrições em
forma narrativa sobre as terras e os homens que encontravam. Assim, pode-se
dizer, que a literatura de viagem não fica restrita ao desejo de conquistar
novos territórios, mas, através do contato com outros povos e culturas, pensar
de uma nova maneira o seu próprio eu.
Almeida Garrett faz parte dessa
tradição literária ao escrever Viagens na minha terra. Nessa novela, a viagem
não serve apenas para entrelaçar os fatos ali tratados, mas serve em si como
elemento temático fundamental. A viagem como tema da obra está assinalada desde
o primeiro capítulo, onde o autor-narrador deixa claro que vai “nada menos que
a Santarém”, tornando sua novela uma crônica-ensaio. Através da viagem pelo
interior do próprio país do autor-narrador, busca-se a fonte do que é ser
português em um momento de drásticas mudanças no país.
O pano de fundo em Viagens na minha
terra é a Revolução Liberal. Grosso modo, as ideias liberais surgiram como
oposição ao monarquismo, ao mercantilismo e ao domínio religioso. Portugal, na
época um país monarquista com fortes raízes católicas, via qualquer ideia
liberalista como antinacional.
O país já estava enfrentando diversas
crises (as invasões de Napoleão e crise do colonialismo no Brasil) e o embate
entre Miguelistas (favoráveis ao monarquismo absolutista de então) e Liberais
acabou por gerar uma guerra civil, em 1830. O embate terminou com uma vitória
dos Liberais e a restauração da monarquia constitucional.
Almeida Garrett, que sempre lutou
pelos ideais liberais, mantém nas Viagens este propósito, através da narração
de fatos do presente e do passado, sempre denegrindo àquele em favor do outro.
Para tanto, brinca-se também com a questão do verossímil, criando-se a ilusão
do verdadeiro através do uso de um tom calculadamente coloquial e uma
aproximação com o quotidiano.
Dessa
forma, as digressões do narrador sobre os mais diversos temas, da literatura à
política, servem para demarcar ideologicamente a obra. O discurso do
autor-narrador revela o caótico estado em que se encontra Portugal, a corrupção
da sociedade, a aristocracia decadente e o modelo familiar burguês corrompido
por atitudes individualistas. Assim, pode-se dizer que para o narrador a crise
moral coletiva tem origem na moral individual.
A personagem protagonista Carlos,
aparece como símbolo deste embate entre tradição (monarquismo) e modernidade
(ideias liberais). Carlos não consegue se decidir entre Joaninha (que
representa o velho Portugal) e Georgina (representante do novo Portugal). Por
fim, o protagonista acaba por desistir de ambas, perdendo sua identidade e sua
moral. Carlos termina como uma representação de uma sociedade alienada e
degradante.
Assim, a preocupação de Garrett em Viagens
na minha terra é tentar despertar na nação portuguesa a consciência da situação
em que o país se encontrava e que direção pode ser tomada para tentar mudar o
rumo decadente que Portugal estava tomando. Porém, o próprio autor-narrador não
vê perspectivas de melhora, pois a imagem que o homem português tem de si mesmo
não é positiva. Dessa forma, apesar de conseguir enxergar um caminho para a
recuperação de Portugal, Garrett termina a obra com um tom pessimista.
Comentário do Professor
Para o professor Marcílio Lopes
Couto, do Colégio Anglo, o aluno deve antes de tudo ficar atento ao próprio
estilo da obra. Apesar de ser um livro pertencente ao Romantismo, ele foge um
pouco aos padrões dessa escola literária e já anuncia algumas características
do Realismo. Além disso, é importante comparar a obra com outras, como, por
exemplo, identificar que aspectos ligam "Viagens na minha terra" a
outras obras românticas que são pedidas no vestibular (Memórias de um Sargento
de Milícias e Til) e que aspectos a ligam a, por exemplo, Memórias Póstumas de
Brás Cubas.
O professor destaca também, que o título da obra de Garrett em si já é importante para compreender o texto. Já que o livro trata de apenas uma viagem que vai de Lisboa a Santarém, por que o autor coloca viagem no plural? Estas “viagens” fazem referência a uma série de reflexões políticas, históricas, filosóficas e existenciais que o autor-narrador trabalha no texto. Assim, estas “viagens” não tratam apenas de um deslocamento físico, mas também de um “deslocamento psicológico”. “Se o aluno se permitir comprar um bilhete para essa viagem, pode descobrir muitas coisas interessantes através do texto”, brinca o professor Marcílio.
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